24 de janeiro de 2013

TEMAS CLÁSSICOS E ENSINO DE FILOSOFIA.

FONTE: GOOGLE IMAGEM

SEXUALIDADE.

INTRODUÇÃO

Como definir o que é sexualidade? Como distinguir genitalidade e afetividade?

Dentro da abrangência da sexualidade temos que saber trabalhar as opções sexuais. E também assuntos delicados, como pílulas anticonceptivas e preservativos – camisinha.  Como fazer com que o aluno saiba distinguir uma boa amizade de relacionamento amoroso. A abordagem das Doenças Sexualmente Transmitidas (DST’s). Distinguir o que é namoro e o que é ficar? Distinção entre paixão e amor, virgindade e outros assuntos delicados.

Esses e temas correlacionados serão abordados nesse caderno com muita propriedade pelas coerentes argumentações dos professores Edi Wilson e Valtinei Trombini, ambos lecionam filosofia na rede pública de ensino do estado de São Paulo.

ETAPA I – SEXUALIDADE

Recursos e orientação didática para aplicação
 
ATIVIDADE 1 – Ética e Sexualidade *

No principio era a teologia, depois a filosofia fonte de todo conhecimento. Depois vieram as ciências, que cresceram e se multiplicaram, dando origem a inúmeros campos de estudo e de aplicação. Com o passar do tempo, as inteligentes ciências deram as costas para sua mãe, a sabia filosofia, e, associando-se à técnica, esqueceram-se do porquê e do para que fim, ficando com o como, quando e onde. O mundo nunca teve tanto cientista para tão pouco filósofo.

A ciência passou a inspirar leis morais, mas sua postura experimental não lhe oferece condições para refletir sobre os significados Áticos das suas descobertas. Alguns cientistas refletiram sobre a eticidade dos avanços científicos (1). Assim mesmo, poucos, sendo, inclusive, a maioria originária no âmbito das humanidades, que por sua natureza, não conseguiram romper tão fortemente com sua origem, e, por isso mesmo, passaram a ter sua condição epistemológica, que lhe garante o status de ciência, questionada. (2) Na corrida para a descoberta cientifica, a ética ficou para trás, sendo hoje difícil inclusive defini-la. Valss (3), ao iniciar seu livro sobre o tema, afirma: "A ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, mas que não são fáceis de explicar, quando alguém pergunta".

Adiante, esse autor define a ética como ciência normativa, descritiva ou especulativa (4).

A ética, na sua função deontológica, estuda os principias, fundamentos e sistemas morais, buscando oferecer um tratado de deveres ao ser humano que garanta o seu bem em nível individual e social. A ética, porém, não é pura abstração dissociada de uma realidade existencial. Ela existe e tem significado, na medida em que se fundamenta na estrutura existencial da pessoa humana. E tal fundamentação requer o estudo dos "esquemas de valoração dentro da sociedade e seus sistemas de legitimação" (5)

A ética, portanto, na sua dimensão filosófica, oferece a reflexão sobre o significado e finalidade da existência humana, buscando definir a moralidade. A justificação dessa moralidade ou eticidade, porém, encontra-se no diálogo continuo e em confrontação permanente com as contribuições dos diferentes conhecimentos científicos a respeito do ser humano (e).

A dimensão sexual humana constitui hoje o espaço existencial em que o anteriormente descrito mais se evidencia. Se bem vejamos: A sexualidade humana foi resgatada do ocultamento e da patologia, do profano ou do sagrado, pela ciência, a partir do inicio deste século. O impacto que tal acontecimento provocou, no entanto, não foi de todo assimilado pela consciência coletiva. O simples fato de comprovar seu aspecto natural, sua função integradora da pessoa humana e a dismistificação de preconceitos e tabus confunde teóricos, clínicos, educadores, de um modo particular, e a sociedade como um todo.

A filosofia, a ciência e a técnica têm por finalidade promover o bem-estar do homem, e assim sendo, todo e qualquer avanço nestas áreas produz intensos efeitos sobre a vida humana. No momento em que a sexualidade e vida se confundem, embora sejam realidades distintas, a ação do desenvolvimento do conhecimento afeta muito mais este aspecto do que outros da dinâmica vital existencial. Para se avaliar a natureza complexa da sexualidade, assim como a sua magnitude no âmbito humano, faz-se necessário:

- Apreender que a sexualidade encerra o mistério da vida humana, pois, a partir dela, surge a vida nos seus sentidos estrito e pleno, e em função dela a vida continua após a morte.

- Compreender que toda pessoa humana é sexuada e que esta característica integra todas as dimensões humanas, já sejam biológica, psicológica ou social, pois, como define a OMS (9), "saúde sexual é a integração dos elementos somáticos, emocionais, intelectuais e sociais do ser sexual por meios que sejam positivamente enriquecedores e potenciem a personalidade, a comunicação e o amor".

- Finalmente, clarificar que a realização humana no âmbito pessoal social e transcendental passa pelo modo próprio que cada pessoa tem de viver o fato de ser sexuado, ou seja, pela sua sexualidade. E isto porque são funções da sexualidade a reprodução, o prazer e a comunicação, sendo esta a mais importante de todas, porque é ela justamente quem potência o amor, única força motriz verdadeira para a realização da reprodução desejada e a obtenção do prazer pleno.

A saída da sexualidade a luz que o desenvolvimento científico, técnico e social promoveu e continua promovendo, longe de esclarecer dúvidas, oferecer respostas certas e padrões de conduta desejáveis, ao contrário, destruiu a base axiológica biológica da sexualidade (reducionismo reprodutivo), provocando a exacerbação do hedonismo licencioso biológico (reducionismo do prazer). Como resultado, a confusão e a perplexidade se instalaram. A sociedade ocidental, aberta e pluralista em seus sistemas de valores, reagiu, reforçando antigos tabus e preconceitos, assim como criando novos. Às vezes negando a sexualidade, desacreditando-a, outras vezes, falando demais sobre ela e em nome dela, impedindo ou desvirtuando a expressão natural e espontânea da sua língua, refletindo a tensão existente entre as forças sociais apostas da manutenção e transformação.

Cientistas e educadores com base nos conhecimentos sexológicos tentam limpar o campo da sexualidade, os aproveitadores, com seus objetivos mercantilistas prostituídos, sujam-na. Os indivíduos confundidos entre os novos conhecimentos e os velhos afetos, reforçados por falsas e claras utilizações, experimentam o conflito, vivenciam o medo ou se entregam à inconseqüência das condutas irresponsáveis.

Hoje, assistimos à "desordem amorosa"(10). Buscam-se orientações, receitas. É o dobrar-se da sociedade à sabedoria da ética, tão negada, agredida e desvalorizada. Atitudes até certo ponto mostram-se ineficazes e estéreis. Por um lado, tem-se o absolutismo autoritário, por outro, o relativismo ortodoxo. Nas negações implícitas de ambos, evidencia-se a radicalização extremada, que impede a vigência de uma valoração universal legitimada na dimensão sócio-cultural especifica, cuja ultima instancia recai no âmbito individual. À pessoa cabe a escolha final entre o tradicionalismo conservador, expresso no "dever ser", universal, fundado em tabus, preconceitos e falsamente legitimado em abstrações, ou permissividade modernosa, normatizada com base no contraponto do "dever ser", que pretende ter legitimidade, baseada em falsos princípios revolucionários. Da norma do "nada pode", passasse à norma do "tudo pode".

A filosofia personalista oferece à ética uma reflexão sobre o que é a pessoa humana: "Uma totalidade viva com um passado, um presente e um futuro"(11), cuja autenticidade se expressa na realização do projeto de humanização, que se sintetiza na valorização intrínseca da vida em si mesma. Ou seja, ser pessoa é a vocação natural do ser humano, o que por si só constitui-se num valor supremo, central e eixo básico de critério avaliativo para todos os demais valores.

Temos, assim e ,portanto, a pessoa como valor, o qual dá origem a um sistema de valores que é por aquele legitimado, e do qual, por sua vez, originasse as normas morais. Sua legitimidade passa a existir quando confrontadas com o conhecimento científico atualizado, a qual se completa em nível prático-social na medida em que houver a assimilação sócio-cultural e a introdução coletiva consciente e responsável destas e dos valores e principias que as fundamentam.

A sexualidade humana é um valor de vida, legitima-se, portanto, na dimensão humana.

Ser pessoa é o valor central humano cujo significado é vida e cuja principal forma de expressão é a sexualidade.

Conclui-se aqui que o que promove a vida promove a pessoa humana, assim como sua expressão maior de vida: a sexualidade.

Nesse âmbito, a cada valor corresponde não outro valor, mas sim antivalores, ou valores de vida em contraposição e antivalores que potenciam a morte.

A sexualidade pode ser saudável, prazerosa, cultivada no amor e potenciadora da vida. A maioria das pessoas, ainda apegadas a falsos valores ou encantadas pelo canto da sereia do prazer consumiste, ainda não descobriu essa possibilidade.

Assistimos diariamente à exposição clara e objetiva ou sutil e enganadora das questões relacionadas com a vivência da sexualidade. Tal exposição, longe de nos proporcionar uma resposta satisfatória às nossas indagações e conflitos, aumenta-os e torna-os mais complexos e diversificados. O que fica evidente é que nenhum tema na historia da humanidade foi, em qualquer tempo, mais trabalhado, através dos meios de comunicação de massa, desde diferentes tipos de publicação a produções artísticas variadas.

Os temas centrais do debate se dividem em dois amplos contextos: (a) reprodução (fecundação, anticoncepção, aborto); (b) prazer (masturbação, virgindade, relações pré-matrimoniais, homossexualidade, parafilias, erotismo, prostituição, pornografia). A abordagem, quase sempre e ainda, caracteriza-se pelo patológico, o inusual, o chocante, evidenciando a origem do conflito dramático, que é, em última instância, o eixo separador da humanidade sexuada, isto é, o ser homem e o ser mulher(12). E o velho padrão de conduta que valoriza e enfatiza o negativo, o feio, a dor, a doença, o pecado, o mal, a morte. Para estabelecer uma ética da sexualidade, tem-se de abandonar esse velho padrão e abraçar o positivo, o belo, o prazer, a saúde, o bem, a vida.

A ética tem a função de oferecer principias, fundamentos e sistemas morais. Assim sendo, apresentam-se, a seguir, os principias que devem orientar a ética da sexualidade:

1 - O principio da vida humana como base essencial para a realização do projeto de personalização.

2 - O principio da vivência de uma sexualidade saudável, integradora das diferentes dimensões humanas e potenciadora da personalidade, da comunicação e do amor.

Tendo a vida, a pessoa e a sexualidade como um amálgama que constitui o critério para a apreciação e definição de valores que possibilitem a elaboração de um código ético da sexualidade, cumpre-se o primeiro passo relativo e sintetizado na definição dos principias.

Como segundo passo, definem-se os fundamentos que possibilitam a operacionalização dos principias: amor, saúde, liberdade e responsabilidade. No entanto, cairíamos na ineficácia da norma absolutista autoritária que pretende a universalidade, ou no vazio do relativismo ortodoxo, se ficássemos apenas no âmbito da estrutura existencial da pessoa humana, sem dar a devida importância aos valores sócio-culturais e aos valores do conhecimento científico.

Toda e qualquer expressão da sexualidade, portanto, deve ser examinada à luz:

1 -Do principio da valorização da vida humana.

2 -Da estrutura existencial da pessoa concreta:

- Valores potenciadores de vida (amor, saúde, liberdade e responsabilidade).

- Valores sócio-culturais contextualizados.

3 -Do conhecimento científico.

A universalidade dos critérios morais está presente nos valores potenciadores da vida e nos valores científicos. A relatividade destes está garantida pelo referencial sócio-cultural e pelo dimensionamento da estrutura existencial da pessoa concreta. Os principias fundamentam a ética, assim como os valores potenciadores da vida, a justificativa e legitimidade desta se realizam na definição dos valores científicos e sócio-culturais.

A diversidade e complexidade das condutas sociais exigiriam um compêndio, se fosse nosso objetivo apresentar um código moral que tivesse a abrangência e especificidade para abordar toda a gama de questionamentos éticos que envolvem a sexualidade humana. Ao concluir este capitulo, entretanto, desejo sintetizar, de forma objetiva e clara, a mensagem que norteou a sua elaboração:

1 -O problema da ética da sexualidade se reporta ao âmbito da falsa ou inadequada valorização da vida humana e dos valores que a potenciam.

2 -A ciência já evidenciou o que é a sexualidade, suas funções, peculiaridades, formas de expressão e seu significado no contexto da pessoa humana. Existe, hoje, em nível internacional, o reconhecimento de uma ciência que a tem como objeto de estudo e de um profissional que se dedica ao desenvolvimento teórico e aplicado desta ciência, ou seja, a sexologia e o sexólogo.

3 -Falta, portanto, a divulgação do conhecimento científico, a educação conscientizadora e clarificadora sobre a vida, a pessoa e a sexualidade como valor central existencial, além da formação especializada de profissionais éticost que possam promover a legitimar socialmente tais valores.

Em síntese, tudo o que se exige no trato das questões humanas: conhecimento cientifico, conscientização clarificadora e responsabilidade.

 

Bibliografia

1. Como exemplos pode-se citar: Skinner, B.F., Mas Alla de la Libertad y la Dignidad, Ed. Fontanella, Barcelona, 1980.

2. Veja-se: Morin, E. Ciencia con Consciencia, Ed. Anthropos, Barcelona, 1984.

3. Valls, A.L.M. O Que é Ética, Ed. Brasiliense, S.P., 1986 - Pg. 07.

4. Ibdem.

5. Vidal, M., Morat das Atitudes, Ed. Santuário, Aparecida, 1986, vol. 01, Pg.12.

6. Ibdem, Pg. 13.

7. Fullat, O. & Mélich, J.-C, Los Sistemas Morales, Ed. Vicens-vives, Barcelo-na, 1984.

8. Veja-se: Bartolomé et allii, Educación y Valores, Ed. Narcea, Madri, 1979.

9. OMS-Instruccion y Asistencia en Cuestiones de Sexualidad Humana: Formacion de Profesionales de la Salud, OMS-Genebra, 1975, Informes Tecnicos, n° 572, Pg. 08.

10. Veja-se: Bruckner, P. 8 Finkielkraut, A., El Nuevo Desorden Amoroso, Ed. Anagrama, Barcelona, 1979.

11. Cembranos, C. & Bartolomé, M., Estudiós y Experiencias Sobre Educación en Valores, Ed. Narcea, Madri, 1981, Pg. 12.

12. Veja-se: Amezúa E., Sexologia: Cuestion de Fondo y Forma, En Revista de Sexologia, Instituto de Sexologia, Madri, 1991, Pg. 172

Por Edi Wilson Ruiz professor de filosofia na Rede Pública Estadual de São Paulo

 

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